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A Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 843, publicada em 2024, trouxe mudanças significativas para o setor de alimentos e embalagens no Brasil.
Com o objetivo de fortalecer a segurança alimentar, garantir maior transparência na informação ao consumidor e harmonizar as normas nacionais com os padrões internacionais, a nova legislação passou a reger a regularização desses produtos com diretrizes mais claras e exigentes.
Neste artigo, vamos explorar em profundidade os aspectos mais relevantes da RDC 843/2024, contextualizar sua relação com a Lei nº 9.782 e com a atuação da Vigilância Sanitária no Brasil, e mostrar como essas alterações afetam diretamente indústrias, fabricantes e consumidores.
O que a Anvisa fiscaliza? Contexto legal e histórico: Lei nº 9.782 e a evolução da regulação sanitária
A Lei nº 9.782, de 1999, foi um marco na regulação sanitária brasileira.
Ela instituiu a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão federal responsável por controlar os produtos e serviços que envolvem risco à saúde pública, incluindo alimentos, medicamentos, cosméticos e produtos para saúde.
A partir dessa legislação, a Anvisa passou a editar resoluções com o objetivo de estabelecer normas técnicas para garantir a qualidade e segurança dos produtos no mercado.
A RDC é uma dessas formas normativas e tem força regulatória significativa. A RDC nº 843/2024, portanto, se insere nesse contexto como uma atualização necessária frente aos avanços tecnológicos, à evolução da ciência e à demanda por maior segurança e rastreabilidade.
Com base nessa previsão, estrutura três formas de regularização, definidas conforme o risco sanitário do produto: registro, notificação e comunicação às vigilâncias locais.
Essa abordagem supera o antigo modelo binário de registro ou isenção, proporcionando um controle mais equilibrado e eficiente. Essa estrutura reduz a carga administrativa para produtos de menor risco, agilizando sua entrada no mercado, enquanto mantém ou aumenta o rigor para produtos de alto risco.
- Registro Sanitário (Anvisa): Aplicável às categorias listadas no Anexo I da IN 281/2024, que envolvem produtos de maior risco sanitário ou que requerem avaliação técnica prévia. Nesses casos, a empresa deve protocolar um pedido de registro junto à Anvisa, aguardando a aprovação prévia para só então iniciar a comercialização.
Exemplos: Fórmulas infantis, fórmulas para nutrição enteral e a fórmula dietoterápica para erros inatos do metabolismo.
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Notificação (Anvisa): Enquadra as categorias definidas no Anexo II da IN 281/2024, consideradas de risco sanitário intermediário. Nesses casos, não é exigida aprovação prévia para lançar o produto; entretanto, a empresa deve notificar a Anvisa antes (ou no momento) de iniciar a comercialização, apresentando um conjunto de informações padronizadas sobre o produto.
Exemplos: Alimentos com alegações de propriedade funcional e/ou de saúde (que antes exigiam autorização específica), alimentos de transição para lactentes, cereais infantis, águas dessalinizadas envasadas, embalagens recicladas para alimentos (PET-PCR) e alimentos com alegação de apoio ao controle de peso, entre outros, agora são isentos de registro e passam ao regime de notificação.
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Comunicação de Início de Fabricação ou Importação (Vigilâncias Locais): Engloba as demais categorias de menor risco, conforme Anexo III da IN 281/2024, que continuam dispensadas de qualquer ato prévio junto à Anvisa, mas devem ser comunicadas às autoridades sanitárias locais (estadual ou municipal) antes de sua oferta ao mercado.
Exemplos: produtos açucarados e de confeitaria (açúcares, chocolates, balas etc.), óleos e gorduras vegetais, bebidas como águas minerais e gelo, cafés, chás, especiarias e condimentos, massas, pães, biscoitos, cereais tradicionais, aditivos alimentares e coadjuvantes de tecnologia (fermentos, enzimas, culturas microbianas).
Em todos os casos acima, as empresas devem observar integralmente os requisitos técnicos e de rotulagem aplicáveis estabelecidos em regulamentos específicos para cada categoria de alimento/ embalagem.
O que a RDC de 2024 define?
A RDC 843/2024 trata da regularização de alimentos e materiais destinados ao contato com alimentos, ou seja, as embalagens.
Ela substitui e consolida diversas normas anteriores, buscando simplificar e padronizar as exigências regulatórias, e ao mesmo tempo, elevar os padrões de controle sanitário.
A resolução define os critérios para registro, rotulagem, composição, uso de aditivos, avaliações toxicológicas e limites de migração de substâncias das embalagens para os alimentos. Além disso, detalha os procedimentos de notificação à Anvisa, exigências de testes e documentação técnica.
A RDC 843/2024 se aplica a todas as categorias de alimentos e embalagens sob competência do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) destinados ao consumo no território nacional. Isso inclui alimentos industrializados em geral, bebidas, ingredientes alimentares e materiais de embalagem que entram em contato direto com alimentos.
Importante destacar que alguns itens permanecem isentos de regularização sanitária (fora do escopo de registro/notificação/comunicação), como: matérias-primas alimentícias, alimentos in natura, equipamentos para alimentos, ingredientes e aditivos usados exclusivamente na produção industrial, e produtos alimentícios preparados no varejo para venda direta (ex: padarias, restaurantes).
Tais itens, definidos no Anexo IV da IN 281/2024, não necessitam de registro ou notificação junto ao SNVS, pois já são controlados por outras vias ou consideradas de baixo risco intrínseco.
Principais alterações trazidas pela RDC nº 843
Em termos de princípios, a comparação fundamental é que o modelo anterior (RDC 27/2010) era mais engessado – dividindo os alimentos em “obrigatórios de registro” e “isentos” – enquanto o modelo atual (RDC 843/2024) é mais orientado ao risco e à eficiência regulatória, criando um nível intermediário de controle.
A prévia autorização (registro) ficou reservada apenas aos produtos de alto risco comprovado ou presumido (nutrição de lactentes, dietas enterais etc.), ao passo que produtos tradicionais e de risco bem conhecido continuam sem barreiras de entrada (comunicação local), e um amplo conjunto intermediário (que cresceu em relação ao passado) agora tem uma ferramenta de controle mais ágil (notificação) em nível nacional.
Esse marco regulatório abrangente é considerado um aperfeiçoamento, pois concentra em uma só resolução regras que antes estavam espalhadas em diversos atos, e as reorganiza de forma didática quanto aos fluxos e procedimentos para cada tipo de regularização.
Vale ressaltar que a RDC 843/2024 entrou em vigor somente em 1º de setembro de 2024 justamente para permitir um período de transição e adaptação das empresas.
Impactos para o setor produtivo
Indústrias de alimentos
Empresas precisarão rever rotulagens, reformular produtos que utilizem embalagens inadequadas e adaptar processos de rastreabilidade.
A regularização de novos produtos também dependerá da apresentação de estudos técnicos.
Fabricantes de embalagens
Será obrigatório revisar a composição dos materiais, substituir substâncias proibidas, realizar testes de migração e atualizar certificações de qualidade. Empresas que exportam também deverão se alinhar aos novos padrões.
Pequenas empresas e artesanais
A adaptação pode representar desafio, especialmente quanto ao custo de testes e reformulações.
A Anvisa prometeu disponibilizar orientações e suporte técnico específico para micro e pequenas empresas.
Benefícios esperados com a nova regulação
Impactos Jurídicos e Regulatórios para Empresas do Setor de Alimentos e Embalagens
A RDC 843/2024 exige que as empresas reavaliem o status regulatório de todos os seus produtos e tomem as medidas necessárias (registro, notificação ou comunicação) para cada um.
Para muitas empresas isso significou implementar programas internos de compliance regulatório mais robustos, treinar pessoal em assuntos regulatórios e possivelmente contratar consultorias ou advogados especializados para auxiliar nas petições.
A longo prazo, entretanto, o setor produtivo tende a se beneficiar de um ambiente regulatório mais dinâmico e previsível: produtos de inovação moderada chegam ao mercado com menos entraves (via notificação), ao passo que a concorrência desleal de produtos “invisíveis” ao sistema diminui, já que até suplementos agora estão todos catalogados na Anvisa.
A segurança jurídica também aumenta, pois, todas as regras pertinentes estão concentradas em uma resolução e instrução normativa, facilitando o acesso à informação normativa pelos regulados.
Medidas Sancionatórias e Mecanismos de Fiscalização na RDC 843/2024
A RDC 843/2024 traz disposições expressas sobre infrações e fiscalização, reforçando o poder do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária para assegurar o cumprimento das novas regras:
Enquadramento de Infrações e Penalidades: O descumprimento das obrigações estabelecidas na RDC 843/2024 passou a constituir infração sanitária, nos termos da Lei nº 6.437/1977 (Lei de Infrações Sanitárias). O art. 39 da RDC 843/2024 determina que os infratores estarão sujeitos às penalidades previstas em lei, que incluem advertência, multas, apreensão de produtos, interdição, cancelamento de autorização e até outras sanções mais severas conforme a gravidade e a situação.
Em outras palavras, se uma empresa deixar de registrar um produto que exige registro, ou não notificar um produto que exige notificação, ou comercializar alimento/embalagem sem nem ao menos comunicar a autoridade competente, incorrerá em infração sujeita às punições administrativas cabíveis
Fiscalização e Monitoramento Intensificados (Abordagem Pós-Mercado): Um dos pontos fortes do novo marco é o foco em mecanismos de fiscalização pós-mercado mais eficientes e direcionados ao risco. A Anvisa destacou que a exigência de notificação dos produtos de risco intermediário permitirá estruturar um banco de dados abrangente sobre esses produtos, facilitando a organização de ações de controle pós-mercado, como monitoramento, inspeções e auditorias.
Ou seja, a Agência passa a ter visibilidade centralizada, por exemplo, de quantos suplementos alimentares estão sendo comercializados, de quais fabricantes, com quais composições e alegações. Com isso, pode priorizar fiscalizações em categorias de maior incidência de problemas ou com maior volume de notificações.
Coordenação com Vigilâncias Sanitárias Estaduais/Municipais: Os órgãos de vigilância locais continuam exercendo papel crucial na fiscalização, especialmente para os produtos de comunicação local e na etapa de comercialização no varejo. A RDC 843/2024 mantém a exigência de que fabricantes e importadores façam o comunicado de início de fabricação às autoridades estaduais/municipais competentes
Ações Sancionatórias e Educativas: Em termos de medidas sancionatórias específicas, a RDC 843/2024 em si não cria tipos novos além dos já previstos em lei, mas ao tipificar o descumprimento como infração sanitária, abre caminho para a aplicação direta de sanções pela Anvisa ou pelas vigilâncias locais. A gradação da pena dependerá do caso concreto.
Em casos graves, como risco à saúde pública, a Anvisa pode determinar recolhimento de lote ou proibição de comercialização de certo produto até adequação.
Notavelmente, como parte da implementação do novo marco, a Anvisa optou também por uma estratégia preventiva/orientativa: antes de partir para punições, investiu em webinares, documentos de perguntas e respostas e prazo de adequação justamente para minimizar a ocorrência de infrações por desconhecimento
Mecanismos de Revisão e Atualização: Por fim, do ponto de vista regulatório, a RDC 843/2024 prevê que os anexos de categorias (constantes na IN 281/2024) possam ser atualizados conforme necessário. Isso significa que novos alimentos ou novas embalagens que surjam poderão ter sua forma de regularização revista
Em conclusão, a RDC 843/2024 confere ao país um aparato regulatório mais robusto para garantia da segurança alimentar. Ao mesmo tempo em que facilita negócios em setores de baixo risco, ela fortalece a capacidade sancionatória e de vigilância sanitária sobre o setor alimentício e de embalagens.
Há agora maior clareza normativa sobre o que é exigido de cada empresa e produto, e instrumentos para cobrar esse cumprimento.
As empresas precisam encarar a regularização (registro/notificação) não apenas como burocracia, mas como parte integrante da conformidade legal – sob pena de penalidades sérias e danos à sua operação caso ignorem as regras.
Da perspectiva de saúde pública e do direito regulatório, a mudança representa um avanço significativo no equilíbrio entre promoção da inovação/competitividade e proteção da saúde do consumidor, objetivo último da Anvisa conforme reafirmado no novo marco.
Com a entrada em vigor da RDC 843/2024, o setor de alimentos e embalagens no Brasil passa a operar sob um marco regulatório mais moderno, técnico e proporcional ao risco dos produtos.
A norma representa um importante avanço na proteção da saúde pública, ao mesmo tempo em que oferece maior previsibilidade e agilidade para as empresas que atuam de forma regular.
Diante desse novo cenário, contar com apoio jurídico qualificado se torna essencial para interpretar corretamente as exigências, evitar sanções e garantir o pleno acesso ao mercado.
A equipe da Garrastazu Advogados é formada por especialistas em direito regulatório e está preparada para orientar empresas e fornecedores em todo o processo de adequação às novas regras da Anvisa, oferecendo soluções seguras, eficientes e personalizadas.
Principais dúvidas sobre o tema:
O que é a RDC 843/2024?
É uma resolução da Anvisa que reformula as regras para regularização sanitária de alimentos, suplementos alimentares e embalagens, adotando um modelo baseado no risco do produto.
Quais são os três regimes de regularização previstos pela RDC 843/2024?
- Registro (alto risco)
- Notificação (risco intermediário)
- Comunicação à vigilância local (baixo risco)
Qual é a base legal da RDC nº 843/2024?
A Lei nº 9.782/1999, que define as competências da Anvisa e regula o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária.
As embalagens de alimentos também são afetadas pela nova norma?
Sim. Embalagens novas devem ser comunicadas às vigilâncias locais, e embalagens recicladas devem ser notificadas à Anvisa com comprovação de segurança.
Quando a RDC 843/2024 entra em vigor e qual o prazo de adequação?
Ela entra em vigor em 1º de setembro de 2024, com prazo de adequação até 1º de setembro de 2025.
Quais são as penalidades para quem não cumprir a norma?
Advertência, multas, apreensão de produtos, suspensão de atividades e até interdição, conforme previsto na Lei nº 6.437/77.
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