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Nas relações de emprego podem ocorrer situações que tornam insustentável a continuidade da relação. Quando essas situações ocorrem por ações do empregador, podemos estar diante de uma situação que autoriza o empregado a reivindicar o encerramento do contrato de trabalho.
Neste artigo, vamos explorar os detalhes da rescisão indireta, ajudando você a entender quando e como é possível aplicá-la para proteger seus direitos trabalhistas.
Você também pode acessar nossa página para obter mais informações sobre rescisão indireta do contrato de trabalho.
O que é a rescisão indireta do contrato de trabalho?
A rescisão indireta é o direito do trabalhador que o permite encerrar o contrato de trabalho mediante faltas graves do empregador, gerando em tal caso os mesmos direitos de quem é demitido sem justa causa.
Na prática, é como se o “empregado demitisse o empregador por justa causa”. Funciona como um mecanismo de proteção ao empregado contra abusos por parte do empregador, permitindo a ele “demitir o seu empregador”, sem perder seus direitos trabalhistas.
Quais são os meus direitos na rescisão indireta?
Na rescisão indireta, o trabalhador conserva os mesmos direitos que um trabalhador demitido por justa causa, podendo reivindicar os seguintes pagamentos:
- Saldo de salário: pagamento dos dias trabalhados, incluindo horas extras e banco de horas;
- Aviso prévio: equivalente ao pagamento de 30 a 90 dias de trabalho, dependendo do tempo de serviço na empresa;
- Valor das férias proporcionais e vencidas acrescidas de 1/3: aqui inclui o terço constitucional e o pagamento das férias a que teria direito, independentemente de o período aquisitivo estar completo ou não.
- 13º salário: proporcional aos meses trabalhados no ano;
- 40% de multa sobre o Fundo de Garantia;
- Guias para saque do FGTS;
- Guias para requerimento de seguro-desemprego.
Para que seja reconhecida pelo julgador, a rescisão indireta exige comprovação robusta de conduta gravosa pelo empregador. Vejamos abaixo
Quais faltas graves cometidas pelo empregador podem ensejar a rescisão indireta?
A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) enumera, nos incisos do art. 483, uma lista de faltas graves que se cometidas pelo empregador podem motivar a rescisão indireta.
- forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
- for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
- correr perigo de mal considerável;
- O empregador não cumprir as obrigações do contrato;
- o empregador ou seus prepostos praticar, contra o empregado ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
- o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
- o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
- O empregado tiver de desempenhar obrigações legais incompatíveis com a continuação do serviço contratado;
- Se falecer o empregador constituído em empresa individual
Relacionamos abaixo algumas das hipóteses em que esse direito pode ser reivindicado:
Quais os motivos para a rescisão indireta?
O artigo 483 da CLT lista as infrações que o empregador pode cometer e que permitem ao empregado pedir a rescisão indireta
Além dessas hipóteses, o Tribunal Superior do Trabalho tem reconhecido o direito à rescisão indireta em diversas outras situações. Vejamos alguns dos casos mais comuns:
O atraso no pagamento de salários permite a rescisão indireta?
O empregado poderá considerar quebra de contrato de trabalho e reivindicar a devida indenização quando o empregador não cumprir suas obrigações contratuais.
É o que acontece, por exemplo, quando o empregador atrasa o pagamento de salários e/ou recolhe incorretamente (ou nem recolhe) os depósitos de FGTS.
Quanto ao pagamento de salário, o atraso salarial de apenas um mês já é suficiente para causar grandes transtornos ao trabalhador, que se vê privado de sua única ou principal fonte de renda e, consequentemente, fica impedido de prover o sustento próprio e de seus familiares, bem como de honrar seus compromissos financeiros.
Mas infelizmente a CLT não é clara quanto ao prazo de atraso que configura grave descumprimento do contrato de trabalho e a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) se divide quanto ao tema.
Em algumas decisões entende-se que para configurar falta grave o atraso nos pagamentos deve ser igual ou superior a três meses:
“o atraso de apenas um mês de salário não é suficiente para caracterizar a mora contumaz do empregador no pagamento dos salários [...]. Nesse sentido, a conduta do empregador apta a ensejar a mora contumaz no pagamento dos salários está configurada a partir do terceiro mês de atraso salarial (TST - RR: 00005983920225210012, Relator: Jose Roberto Freire Pimenta, Data de Publicação: 23/08/2024).”
Já outras entendem que o salário tem natureza alimentar e, portanto, não é justificável que o empregado tenha de aguardar o prazo de noventa dias para pleitear a rescisão indireta:
o conceito de mora contumaz no pagamento de salários previsto no art. 2.º, § 1.º, do Decreto-Lei n.º 368/1968 repercute apenas nas esferas fiscal, tributária e financeira, não constituindo óbice ao reconhecimento de que o atraso no pagamento do salário por período inferior a três meses configura descumprimento contratual apto a justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo empregador, especialmente porque o pagamento do salário figura entre as principais obrigações do empregador no âmbito do contrato de trabalho (TST- RR-1001230-32.2018.5.02.0072, 4.ª Turma, Relator: Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 9/10/2020).
Uma vez reconhecida a rescisão indireta, o empregado mantém os mesmos direitos e benefícios que teria em uma demissão sem justa causa, como aviso prévio, férias proporcionais, 13º salário proporcional, e a possibilidade de sacar o FGTS com a multa de 40%. Conforme os motivos que levaram à rescisão indireta, pode, ainda, ter direito a multas e indenizações adicionais.
Ao cabo, a análise do caso concreto por um advogado especialista indicará se a conduta do empregador pode ou não corresponder a uma falta grave.
Assista nosso podcast sobre os direitos do trabalhador demitido sem justa causa:
O atraso no pagamento do salário do atleta profissional de futebol também autoriza a rescisão indireta?
A rescisão indireta do contrato de atleta profissional de futebol também pode ocorrer pelo atraso no pagamento dos salários e pelo não recolhimento do FGTS e contribuições previdenciárias.
Diferente da rescisão indireta comum, este contrato especial possui um regramento específico. O art. 31, § 2º, da Lei nº 9.658/1998 define como mora salarial o atraso igual ou superior a três meses:
o art. 31 da Lei nº 9.615/98 expressamente autoriza a rescisão do contrato de trabalho desportivo na hipótese de mora salarial superior a três meses, liberando-se o atleta para transferir-se para outra agremiação. (TST - AIRR: 00104656520195030108, Data de Publicação: 11/11/2022).
A rescisão indireta do contrato de atleta profissional de futebol por atraso no pagamento dos salários, portanto, exige mora salarial equivalente a três meses ou mais.
O Parcelamento do salário também pode configurar falta grave do empregador?
Se praticado unilateralmente, sim!
O salário é por excelência uma verba de natureza alimentar, essencial à subsistência do trabalhador e sua família.
Para o empregador o pagamento do salário representa uma das principais obrigações no contrato de trabalho. O descumprimento desse dever básico do empregador configura motivo suficiente para a rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme estabelecido no art. 483, alínea "d", da CLT.
O atraso e o parcelamento do salário podem gerar dano moral indenizável?
O atraso reiterado no pagamento dos salários (ou seu parcelamento) pode gerar prejuízos à subsistência do empregado e de sua família e, portanto, ensejar ao empregador o dever de indenizar o empregado tanto pelos prejuízos materiais do atraso como inclusive pelos prejuízos morais, de ordem imaterial.
O entendimento das Turmas do TST, contudo, se divide quanto ao tema.
Alguns entendem que o atraso nos pagamentos gera prejuízos presumidos ao empregado, como o acúmulo das contas, juros e outros efeitos da mora, inclusão no SPC/SERASA, comprometimento da pontuação e margem de crédito e etc. Para estes julgadores é presumida a angústia causada ao trabalhador, enquanto desprovido dos recursos necessários à sua subsistência, e, portanto, não haveria necessidade de comprovação de prejuízos.
Já para outros julgadores, com o reconhecimento da falta grave pelo empregador, a condenação ao pagamento das obrigações legais equiparas a uma despedida sem justa causa já atenderia a reparação dos danos materiais causados ao empregado, pois, em geral, a condenação compreende a anotação na CTPS, recolhimentos de INSS, pagamento de FGTS e demais direitos, assim como o pagamento de multa (art. 477, §8º, da CLT), e incidência de juros e correção monetária quando da liquidação do julgado.
Na prática, a análise de um advogado especialista revelará a se o conjunto de provas tem robustez para comprovar formal e incontestavelmente os prejuízos causados e suportar um pedido de condenação por dano moral.
Você também pode acessar nossa página para conhecer nosso time de especialistas em Direito Individual do Trabalhador e obter mais informações sobre rescisão indireta do contrato de trabalho.
O recolhimento irregular de FGTS permite a rescisão indireta?
O recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), assim como o pagamento do salário, representa para o empregador um dos deveres mais básicos no contrato de trabalho.
Portanto, a irregularidade no recolhimento do FGTS, denota o não cumprimento das obrigações por parte do empregador e enseja a rescisão contratual pelo empregado, nos termos do art. 483, d, da CLT.
A mudança no local de trabalho permite a rescisão indireta?
A CLT autoriza o empregador a mudar o local de trabalho sem a anuência do trabalhador desde que não implique em necessidade de mudança de domicílio do empregado (art. 469). É o que ocorre, por exemplo, com uma loja que muda sua sede para outro bairro da mesma cidade.
Contudo, se esta mudança do estabelecimento para nova localidade representar necessidade de mudança de domicílio também para o empregado, considera-se transferência, que só pode ocorrer:
- Se houver aquiescência e comprovado interesse do empregado;
- Quando ocorrer extinção do estabelecimento a que se vincula o empregado;
- Quando se tratar de empregado exercente de cargo de confiança; ou
- Quando há previsão contratual de transferência.
Em todos os casos deve haver real necessidade do serviço e a alteração não pode ser lesiva ao empregado, mas somente nos casos dos itens 3 e 4 o empregado faz jus ao recebimento de adicional de salário nunca inferior a 25%, desde que provisória a transferência (inferior a dois anos).
Se a mudança do local de trabalho, por iniciativa do empregador e sem correspondência com as hipóteses acima citadas, acarretar necessariamente a mudança de domicílio do empregado sem a sua concordância, presume-se conduta faltosa do empregador, que autoriza a rescisão indireta do contrato.
O Assédio moral permite a rescisão indireta do contrato de trabalho?
A constituição protege a dignidade da pessoa, assim como sua honra e imagem. Todo tratamento desrespeitoso e discriminatório, que ofenda a dignidade do trabalhador, pode configurar assédio moral.
O assédio moral se caracteriza pela sujeição do empregado a tratamento que o faz constrangido ou aviltado, mediante conduta patronal caracterizada pela reiteração e pela potencial aptidão para humilhar o trabalhador ou privar-lhe de algum direito inerente ao desenvolvimento de sua personalidade.
Os danos podem ultrapassar a esfera profissional. Em casos graves, prejudicam a saúde mental do trabalhador, resultando em depressão, baixa autoestima.
Apesar de ser uma forma de violência psicológica, a identificação e combate podem ser dificultados. As formas mais comuns são:
- Vertical descendente: praticado por superiores hierárquicos contra seus subordinados, explorando a relação de poder para subjugar e humilhar.
- Vertical ascendente: praticado por um ou vários subordinados contra seu superior hierárquico.
- Horizontal: Ocorre entre colegas de trabalho do mesmo nível hierárquico.
Pode se manifestar, por exemplo, em um conjunto de ações semelhantes e repetidas com o propósito de contagiar as relações que se desenvolvem no âmbito da empresa, seja para tornar insustentável o vínculo de trabalho na perspectiva de trabalhadores dos quais o empregador pretende desvincular-se, seja para estimular vantagens comparativas entre empregados além do que medianamente se poderia exigir, seja enfim por qualquer outra razão desdenhosa da dignidade da pessoa humana ou destoante do dever de lealdade que deve motivar os atores nos negócios jurídicos que virtualmente protaganizem.
A ofensa moral comumente gera ao empregador o dever de reparação patrimonial pelo dano. A depender do caso concreto, além do reconhecimento da rescisão indireta, na qual o trabalhador conserva os mesmos direitos da despedida por justa causa, o empregador pode, também, ser condenado ao pagamento de indenização.
O Assédio Sexual Permite a Rescisão Indireta?
O assédio sexual no ambiente de trabalho é definido como um constrangimento de natureza sexual, onde, geralmente, o ofensor se utiliza de sua posição hierárquica superior para coagir o empregado.
Esse comportamento pode ser classificado em duas categorias: assédio por chantagem, onde a aceitação ou rejeição de uma investida sexual influencia na situação profissional da vítima, e assédio por intimidação, que cria um ambiente de trabalho hostil e humilhante.
A prevenção ao assédio sexual é uma responsabilidade do empregador, que deve implementar políticas e medidas de proteção no ambiente de trabalho. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda a adoção de políticas claras sobre assédio sexual e a formação obrigatória sobre o tema.
O trabalhador vítima de assédio sexual tem direito à rescisão indireta do contrato de trabalho, além de indenização por danos morais.
A produção de provas em casos de assédio sexual pode ser desafiadora, pois os atos geralmente ocorrem de forma secreta. No entanto, gravações telefônicas, mensagens eletrônicas e depoimentos de testemunhas são admissíveis como provas em juízo. A Justiça do Trabalho pode reconhecer o dano e o direito à reparação mesmo em casos de assédio horizontal, onde não há relação de subordinação entre a vítima e o assediador, responsabilizando a empresa pelos danos causados.
Além dos reflexos trabalhistas esta conduta pode também ter efeitos criminais, uma vez que o artigo 216-A do Código Penal proíbe e sanciona com pena de detenção de um a dois anos.
Posso ajuizar a ação de rescisão indireta e continuar trabalhando até a decisão final do juiz?
Em regra geral, o ajuizamento da ação que postula a rescisão indireta não leva a condenação imediata.
Por tratar-se de uma questão que exige comprovação da conduta faltosa pelo empregador, que, por sua vez, tem direito a defesa, o simples ajuizamento da ação não gera ao empregado o afastamento imediato das atividades.
Contudo, é possível, sim, que o empregado opte por deixar de comparecer às atividades. Mas neste caso é importante perceber que, até decisão contrária, a empresa está desobrigada de lhe pagar os salários que provém seu sustento.
Ademais, caso o empregado tenha deixado o emprego sem aguardar decisão judicial para tanto, e não seja reconhecida, em decisão terminativa, a rescisão indireta, o seu afastamento voluntário pode implicar no encerramento do contrato pela modalidade Pedido de Demissão, que tem reflexos diretos nas verbas rescisórias e não lhe dá direito às guias de Seguro Desemprego e ao pagamento de multa pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias (art. 477, §8º, da CLT).
Por outro lado, há hipótese que autorizam o empregado a se afastar imediatamente das atividades. É o caso de falecimento do empregador, quando este for empresário individual.
Da mesma forma, o trabalhador também possui o direito de permanecer em atividade até final decisão do processo nos casos em que o empregador:
Descumprir as obrigações do contrato, tais como o pagamento do salário e o recolhimento regular do FGTS; ou
Reduz as horas de trabalho ou de salário sem acordo, afetando seu salário.
Como solicitar a Rescisão Indireta?
É fundamental seguir os procedimentos corretos, começando por reunir a documentação das irregularidades e obter um parecer jurídico quanto ao procedimento e os direitos possíveis de serem alcançados.
Em alguns casos, o segundo passo é informar o empregador de sua intenção de romper o contrato devido às faltas graves cometidas pela empresa. Esta comunicação, contudo, constitui uma fase estratégica e técnica de relevante importância, sendo altamente recomendado que se faça por intermédio de um advogado especializado em Direito Individual do Trabalho.
Caso o empregador não resolva a situação, o próximo passo é o ajuizamento da Reclamação Trabalhista, solicitando o reconhecimento da rescisão indireta. Essa ação judicial requer a comprovação da conduta faltosa do empregador e, a depender dos requerimentos, também dos prejuízos gerados por ela.
Somente após decisão terminativa o contrato de trabalho será oficialmente encerrado.
Entender e proceder corretamente com a rescisão indireta é crucial para proteger os direitos do trabalhador em situações de abuso. Se você acredita estar enfrentando uma situação que justifique essa medida, não hesite em buscar orientação legal para garantir sua segurança e bem-estar no trabalho.
A Garrastazu possui especialistas em Direito do Trabalho prontos para auxiliar trabalhadores que necessitem de apoio em questões relacionadas a rescisão indireta.
Para mais informações consulte:
TST – Artigo "Rescisão indireta: quando a relação empregatícia se torna insustentável”;
Consolidação das Leis Trabalhistas; e
Garrastazu Advogados - Rescisão Indireta do Contrato de Trabalho.
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