Fonte: Freepik.com
As organizações sociais ocupam hoje papel central na gestão pública brasileira.
Atuando em áreas sensíveis como saúde, pesquisa científica, meio ambiente, cultura e educação, essas entidades passaram a executar atividades típicas do setor público por meio de parcerias formalizadas com o Poder Executivo.
Esse modelo, consolidado pela Lei nº 9.637/1998, ampliou a capacidade de prestação de serviços à população, mas também trouxe desafios jurídicos relevantes, especialmente quando surgem atrasos de pagamento e situações de inadimplência.
É comum que fornecedores, prestadores e profissionais que contratam com uma organização social se deparem com a justificativa de “falta de repasse do governo” para explicar o não recebimento de valores. Nesse contexto, surge a dúvida: é possível realizar cobrança contra organizações sociais mesmo quando o Poder Público não efetuou os repasses previstos no contrato de gestão?
A resposta exige compreensão aprofundada do regime jurídico das OS, da distinção entre direito público e direito privado, e do entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça.
O Que São Organizações Sociais e Qual a Relação com o Poder Público
As organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, qualificadas pelo Estado para atuar em áreas de interesse público. Sua criação e funcionamento estão disciplinados pela Lei nº 9.637/1998, que estabelece os critérios de qualificação, controle e supervisão dessas entidades.
Apesar de integrarem o chamado “terceiro setor”, as organizações sociais não fazem parte da Administração Pública direta ou indireta. Elas atuam em parceria com o Estado, executando atividades de utilidade pública, como a gestão de unidade de saúde, hospitais, centros de pesquisa científica, projetos ambientais e culturais.
A relação com o Poder Público é mediada por instrumentos específicos, principalmente o contrato de gestão, firmado com o Poder Executivo e supervisionado por um órgão supervisor designado. Esse modelo busca eficiência, flexibilidade administrativa e ampliação da capacidade estatal, mantendo mecanismos de controle social e transparência.
Contratos de Gestão: Como Funcionam Entre o Poder Executivo e as Organizações Sociais
O contrato de gestão é o instrumento jurídico central que formaliza a parceria entre o Estado e a organização social. Previsto expressamente a partir do artigo 5º da Lei nº 9.637/1998, ele define metas, indicadores, responsabilidades, critérios de avaliação, repasses financeiros e obrigações recíprocas.
Diferentemente de contratos administrativos tradicionais, os contratos de gestão possuem natureza híbrida: embora relacionados à execução de políticas públicas, são firmados com entidades de Direito Privado. Isso gera reflexos diretos na forma como essas entidades contratam fornecedores, adquirem bens públicos ou privados, e realizam pagamentos.
O contrato de gestão não transforma a organização social em ente estatal. Ela mantém autonomia administrativa, gestão própria e responsabilidade patrimonial, inclusive quanto às obrigações assumidas com terceiros.
Atraso de Repasse do Governo e Seus Efeitos na Atuação das Organizações Sociais
Na prática, atrasos de repasse por parte do Governo (seja da União, do Estado ou do Município) são frequentes. Esses atrasos impactam diretamente a execução das atividades, o pagamento de salários, a aquisição de insumos e a continuidade dos serviços prestados à população.
Entretanto, do ponto de vista jurídico, o atraso do repasse não elimina automaticamente as obrigações da organização social perante seus fornecedores e prestadores. A entidade continua sendo a parte contratante, assumindo riscos de gestão próprios do modelo adotado.
Essa distinção é fundamental: o vínculo do fornecedor é com a organização, não diretamente com o ente estatal. A relação jurídica que fundamenta a cobrança decorre do contrato firmado, da nota fiscal emitida, da prestação efetiva do serviço ou do fornecimento realizado.
Responsabilidade da Organização Social Mesmo Sem Repasse do Poder Público
A responsabilidade patrimonial da organização social decorre de sua natureza de pessoa jurídica de Direito Privado. Ainda que execute atividades de interesse público, a entidade responde pelas obrigações assumidas, conforme as regras do Código Civil e, quando judicializada, do Código de Processo Civil.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara ao afirmar que a organização social não pode transferir integralmente ao Estado o risco de sua atividade contratual. O Supremo Tribunal Federal também confirma a responsabilidade da organização social, ressaltando a importância da boa-fé, da autonomia da entidade e da necessidade de controle social.
Assim, ainda que o atraso do repasse seja fato relevante, ele não afasta automaticamente o dever de pagamento, nem impede a incidência de correção monetária, quando cabível, sobre valores devidos.
Quando a Cobrança Contra Organizações Sociais se Torna Necessária
Quando as tentativas administrativas se mostram infrutíferas, a cobrança judicial passa a ser considerada. Essa cobrança pode envolver:
- reconhecimento do crédito;
- discussão sobre inadimplência;
- análise da execução do contrato;
- eventual ação de cobrança ou indenizatória.
O processo administrativo interno da organização social, embora relevante, não substitui o direito do credor de buscar tutela jurisdicional. Em juízo, serão analisados elementos como:
- existência do contrato;
- prestação efetiva dos serviços;
- emissão de nota fiscal;
- comportamento das partes;
- princípios como boa-fé e equilíbrio contratual.
A sentença poderá reconhecer o direito ao recebimento, fixar valores e determinar o cumprimento da obrigação.
Aspectos Institucionais, Transparência e Acessibilidade
As organizações sociais estão sujeitas a mecanismos de transparência, como publicação de atos no Diário Oficial da União, prestação de contas ao conselho de administração, fiscalização por órgãos de controle e divulgação de informações em portais oficiais.
Cada vez mais, essas entidades adotam práticas de acessibilidade digital, incluindo conteúdo acessível em Libras usando o VLibras, usando o VLibras widget, com VLibras widget com opções e opções dos avatares Ícaro, como Ícaro Hosana ou Guga, garantindo que informações sobre gestão, contratos e serviços estejam acessíveis a toda a sociedade.
Organizações Sociais, Interesse Público e Limites Jurídicos
O modelo das organizações sociais busca conciliar eficiência administrativa com atendimento aos fins públicos. No entanto, esse equilíbrio exige respeito às regras jurídicas, aos direitos dos fornecedores e à segurança das relações contratuais.
A atuação no campo da saúde, pesquisa científica, meio ambiente e outras áreas sensíveis reforça a necessidade de governança responsável, controle interno, transparência e respeito às obrigações assumidas.
A cobrança contra organizações sociais é juridicamente possível e, em muitos casos, necessária, mesmo quando há ausência ou atraso de repasse do Poder Público. A organização social, como pessoa jurídica de Direito Privado, responde pelas obrigações que assume, ainda que atue em parceria com o Estado por meio de contratos de gestão.
Compreender esse modelo, seus limites e suas responsabilidades é essencial para fornecedores, prestadores e profissionais que atuam com o setor público ampliado. Trata-se de um tema que exige conhecimento técnico, análise cuidadosa da legislação e atenção ao entendimento dos tribunais superiores.
A complexidade das relações envolvendo organizações sociais, contratos de gestão e parcerias com o poder público exige análise jurídica especializada e compreensão aprofundada do modelo institucional adotado pelo Estado brasileiro.
Com 25 anos de experiência, a Garrastazu Advogados atua de forma consistente em demandas relacionadas à cobrança, contratos com entidades do terceiro setor e relações jurídicas envolvendo organizações sociais. Entre em contato!



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