CONCEITO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA EM CONCEPÇÃO PÓS-POSITIVISTA

Carlos Horácio Bonamigo Filho
Carlos Filho CEO
15/06/2020 46 minutos de leitura
CONCEITO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA EM CONCEPÇÃO PÓS-POSITIVISTA
Imagem: Unsplash

1. INTRODUÇÃO

É objeto deste estudo a tentativa de construção de um conceito contemporâneo de obrigação tributária, enquanto relação jurídica sobre a qual se fundamenta a tributação e o sustento do Estado Democrático de Direito. Permeia a pesquisa a busca de elementos comuns entre o direito público e o direito privado, que permitam identificar possíveis influências do pós-positivismo sobre o instituto da obrigação tributária, frisando a necessidade de alto senso crítico em face das peculiaridades da relação entre Estado e contribuinte.

Ocorre que falar sobre direito é falar sobre concepções interpretativas de direito. Conforme a interpretação adotada, modificam-se os resultados do processo hermenêutico e os efeitos possíveis dos institutos de direito.

Assim, na primeira parte deste trabalho será analisada a obrigação tributária na concepção positivista e na segunda parte serão expostas ponderações sobre a obrigação tributária em concepção pós-positivista, tentando verificar elementos comuns entre o direito privado e público na busca de um conceito atual de obrigação tributária.

2. A OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA EM CONCEPÇÃO POSITIVISTA

A existência da dívida em certo período implicava em um direito ao credor sobre a pessoa física do devedor. A soma devida seria o preço do resgate. Surge a expressão obligatio (do latim ob ligatio) para caracterizar justamente o liame existente entre o credor e determinada a pessoa dada em fidúcia, em garantia pela dívida. Desde então a sujeição do devedor ao credor evoluiu, mas manteve a obrigação desde então a mesma característica de ligação entre credor e devedor – que passou de um caráter pessoal a um caráter patrimonial. Aqui o primeiro elemento da construção do conceito de obrigação: o vínculo entre credor e devedor.

Contudo, o instituto da obrigação sofreu modificações em relação ao seu nascimento, desenvolvimento e extinção – indo de uma concepção positivista de direito ao pós-positivismo.

A partir do Renascimento, entre 1600 e 1800, aproximadamente, promoveu-se a institucionalização do Direito como um sistema fechado e logicamente ordenado, pretensamente sem lacunas. Para Tercio Sampaio Ferraz o fenômeno de positivação reestruturou radicalmente o Direito, a partir da positivação do direito natural.

A teoria jurídica europeia, que até então era mais uma teoria da exegese e da interpretação de textos singulares, passa a receber um caráter lógico-demonstrativo de um sistema fechado, cuja estrutura dominou e até hoje domina os códigos e compêndios jurídicos.

No século XIX a lei instituída por autoridade competente passa a ter o status de principal fonte do direito. Do ponto de vista sociológico, a velocidade das mutações sociais em face da emergente burguesia exigia controle e previsibilidade das consequências jurídicas das ações sociais, o que implicou em uma crescente valorização da legislação. “Daí se originou um respeito quase mítico pela Lei”. E porque o direito é baseado em proposições ordenativas, a previsão das consequências jurídicas passa a ser reconhecida como um produto da racionalidade humana, não vinculada ao direito natural – e pode ser alterada. Nesse contexto o próprio Direito é encarado também como um método, com a utilização da subsunção lógico-formal para a sua aplicação.

Nesse sentido, a relação jurídica em concepção positivista é “a relação inter-humana, a que a regra jurídica, incidindo sobre os fatos torna jurídica.” Ou seja, a realização no espaço-tempo do hipoteticamente previsto na norma constitui/cria direitos e deveres. Assim, a existência de norma jurídica e a ocorrência do fato previsto na norma são pressupostos de toda e qualquer relação jurídica. “Seria erro dizer-se que é a regra jurídica que produz a eficácia jurídica; a eficácia jurídica provêm da juridicização dos fatos (=incidência da regra jurídica sobre os fatos, tornando-os jurídicos).” Sob esse aspecto, refere Pontes de Miranda que a incidência da regra jurídica submete-se a um determinismo absoluto, é infalível. “A incidência da regra jurídica não erra. O que pode errar – e sói errar a cada momento – é a aplicação. A aplicação erra, exatamente porque a autoridade, ou alguém, que teve de aplicar a regra jurídica, não na aplicou tal como incidiu”.

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Então, através do exercício de subsunção, nascem os elementos constitutivos da relação jurídica obrigacional: o elemento subjetivo, ligando sujeitos ativo e passivo, bem como o elemento objetivo, a prestação.

Aliomar Baleeiro identifica seis elementos na relação jurídica obrigacional tributária: (i) a lei como fonte da obrigação, (ii) o sujeito ativo, (iii) o sujeito passivo, (iv) o fato tributável (gerador da obrigação), (v) base de cálculo e (vi) objeto (prestação em dinheiro).

As peculiaridades próprias da relação entre cidadão e Estado demandam diferenciações, contudo. Lembra Zelmo Denari que a obrigação civil pode ser perdoada ou modificada através de acordo. Igualmente, “o titular de um direito subjetivo, normalmente, tem o poder de acionar ou não os atos necessários ao seu exercício.” O titular de uma relação jurídica de direito público não tem essa disponibilidade, pois o interesse material ostenta o conteúdo de um dever. Neste caso, portanto, o credor só poderá aceitar a soma ofertada pelo devedor se esta for suficiente para realizar o conteúdo material da obrigação.

De fato, podem-se reconhecer peculiaridades entre diferentes áreas do direito – que não são presumidas ou ontológicas. São deônticas e decorrem de mandamentos constitucionais ou legais. Sob esse aspecto as diferenciações do direito tributário decorrem do próprio sistema normativo e não são metanormativas ou de direito natural. Assim, é de especial importância a vinculação ao princípio da legalidade estrita. Por força do art. 5º, II e art. 150, I da CF a norma jurídica condiciona a regularidade da tributação à instituição de tributo através de lei em sentido formal e material. Daí a doutrina identificar no direito tributário o império da reserva absoluta de lei formal (Carrazza) como condição para o nascimento da obrigação tributária.

Então, para que nasça a obrigação tributária nesta concepção positivista de direito tributário, é preciso que ocorra no mundo fático todos os elementos hipoteticamente previstos na lei, fazendo a união desses pressupostos nascer a obrigação tributária (relação que une credor e devedor e que tem como objeto o pagamento em dinheiro). É reflexo da vinculação à legalidade que o agente fiscal saiba de antemão as condições para o nascimento da obrigação tributária. Sob esta perspectiva, trazendo-a ao contexto atual, deve a lei tributária dar conhecimento ao contribuinte de quando ocorre o nascimento de sua obrigação. Isso porque é o contribuinte o principal destinatário da lei tributária e responsável pela constituição do crédito tributário – o que pode trazer nova problemática em face de paradigma interpretativo que desvaloriza a legalidade.

Assim, ainda que o Direito admita o emprego da analogia para integrar a regra jurídica quando não se afaste da ratio legis, isso não será possível no Direito Tributário brasileiro em face da vedação ao emprego da analogia para exigência de tributo não previsto em lei. Assim, é possível identificar o rigor que o sistema tributário atribui à vinculação à lei, sendo este o paradigma a que formalmente está submetido o direito tributário, de índole notadamente positivista.

Então, em tese, e esta é uma questão determinante, seguindo a lógica decorrente do exercício subsuntivo, a existência de lei incompleta ou a existência de delegação não prevista constitucionalmente resulta em insuficiência em relação à obrigação tributária. Nessa linha, conforme Sacha Calmon Navarro Coêlho, não pode o intérprete integrar a norma tributária para fazer nascer a obrigação tributária não exaustivamente disciplinada na lei.

Observe-se rapidamente que o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a existência de obrigações sem caráter patrimonial ao dividir as obrigações em principal e acessória. A obrigação tributária principal tem por objeto o pagamento do tributo ou penalidade pecuniária. A obrigação acessória corresponde às prestações positivas ou negativas, previstas na legislação tributária, no interesse da arrecadação. Contudo, diz-se que as chamadas obrigações acessórias não são realmente obrigações em seu sentido técnico, por faltar-lhe índole patrimonial.

Assim, à guisa de conclusão do tópico, pode-se sintetizar a caracterização da concepção positivista, (formalista, legalista ou exegética) como (i) uma pretensão de sisematização de um ordenamento jurídico fechado e pleno, sem lacunas, (ii) baseado no exercício de subsunção, (iii) com aplicação “automática” do direito e (iv) ensino jurídico baseado no conhecimento de expressões técnicas, conforme Tercio Sampaio Ferraz.

E retomando Aliomar Baleeiro na sua conceituação de obrigação tributária, há a reunião de seis elementos: (i) a lei como fonte da obrigação, (ii) o sujeito ativo, (iii) o sujeito passivo, (iv) o fato tributável (gerador da obrigação) e (v) base de cálculo e (vi) objeto (prestação em dinheiro). Igualmente, pode-se dizer que o não previsto na lei simplesmente não compõe a obrigação tributária. Não existem deveres ou direitos implícitos e o rigorismo subsuntivo é absoluto. Sob esta concepção, todos os elementos do raciocínio jurídico estão disciplinados na lei.

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3. CONCEITO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA EM CONCEPÇÃO PÓS-POSITIVISTA

Segundo Judith Martins-Costa, novos elementos passam a compor as relações jurídicas a partir do reconhecimento de eficácia normativa à socialidade. O reconhecimento da existência de sujeitos indeterminados (direitos difusos e coletivos) e o entendimento de valorização da pessoa humana como valor-fonte do direito são expressões da substituição de um paradigma centrado no patrimônio. Segundo os adeptos da doutrina, seria a substituição de um paradigma centrado na igualdade formal (perante a lei) em favor de paradigma focado na igualdade material. Ou, por uma constitucionalização do direito civil, prestigiando-se a justiça no caso concreto, com uma aplicação do direito não exclusivamente através de subsunção.

Já em 1971 dizia Orlando Gomes que a concepção de igualdade perante a lei (formal) favorece a dominação de uma classe sobre a economia, em um contexto de supervalorização do individualismo patrimonialista. A concepção pós-positivista é o produto de uma quebra do paradigma interpretativo do direito, matéria há algum tempo em estudo no Direito Tributário.

Passa-se a encontrar eficácia normativa em elementos de caráter não patrimonial, como a boa-fé, o abuso de direito e a função social do contrato, institutos incluídos no Código Civil de 2002, mas empregados já antes disso e que são determinantes quanto ao regime jurídico das relações obrigacionais civis. Assim, são identificados indícios do reconhecimento de eficácia normativa a elemento não previstos expressamente na lei – o que é expressão do novo paradigma.

Nesse contexto, será explorado o princípio da boa-fé objetiva, não positivado expressamente na legislação tributária, para que seja verificado se neste ramo tradicionalmente fechado em face da exigência de reserva legal pode-se incluir elementos não previstos na lei como integrantes de um conceito de obrigação tributária.

Ainda em 1964, Clóvis do Couto e Silva, na obra escrita como tese de concurso de cátedra da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, “A Obrigação como Processo”, chama atenção para a crise da teoria das fontes – que sinaliza o enfraquecimento do rigor lógico na aplicação do direito.

Em verdade, outros fatores passaram a influir poderosamente no nascimento e desenvolvimento do vínculo obrigacional, fatores esses decorrentes da cultura e da imersão dos valores que os códigos revelam no campo social e das transformações e modificações que produzem. A crise decorre da concepção de que um código por mais amplo que seja não esgota o corpus iuris vigente, o qual se manifesta através de princípios, máximas, usos, diretivas, não apenas na interpretação judicial, como também doutrinária.

Narra o autor a existência de uma revisão da teoria geral das obrigações, decorrente de “uma vigorosa reação às concepções do positivismo jurídico.” Para Couto e Silva a relação jurídica obrigacional deve ser vista em seu sentido amplo, em que o conceito do vínculo que une credor e devedor os coloca em posição cooperativa, com o objetivo comum de adimplemento da obrigação. “Dentro dessa ordem de cooperação, credor e devedor não ocupam mais posições antagônicas, dialéticas e polêmicas.” A visão da obrigação, como processo, é composta pelo conjunto de atividades necessárias à satisfação do interesse do credor.

Ganha destaque, nesse paradigma, o princípio da Boa-fé Objetiva – entendido como um dever de consideração com aplicação a diversos ramos do direito. No direito obrigacional a boa-fé se manifesta de diversas formas, em especial como um aumento dos deveres, para além daqueles previstos na convenção – também como um dever de consideração com o alter.

Nesse contexto, a boa-fé pode assumir função hermenêutica, criadora de deveres conexos ou limitadora de direitos. Através da função hermenêutica a boa-fé objetiva tem a capacidade de integrar a relação jurídica com deveres que não claramente emergem diretamente do acordo entre as partes, mas estará adstrita à verificação da vontade das partes (não é criadora). A boa-fé terá função criadora (indo além de explicitação da vontade das partes) ao impor às partes deveres de cooperação, deveres de informação e de proteção. Terá função limitadora de direitos ao impedir o exercício abusivo de determinado direito.

Dentre as manifestações da boa-fé objetiva pode-se mencionar seguintes institutos: tu quoque, surrectio, supressio, venire contra factum proprium e a teoria do adimplemento substancial. A tu quoque impede que a parte que descumpriu dever seu exija da outra parte o adimplemento. A surrectio é a criação de direito em razão de de ações em determinado período de tempo que levam a criar a expectativa legítima sobre o nascimento do direito. A supressio é a supressão de direito em decorrência da inércia de uma das partes que provoca legítima confiança de que a obrigação não será exigida. Venire contra factum proprium é a contradição de uma parte com seu comportamento anterior, violando a confiança da contraparte. A teoria do adimplemento substancial impede o rompimento da relação quando o devedor cumpre substancialmente a sua obrigação.

Na Alemanha o princípio da boa-fé foi positivado no §242 do BGB, em 1900, como cláusula geral, influência que muito tempo depois chegou ao Brasil. A cláusula geral é um convite ao aplicador do direito de preencher o conteúdo semântico da expressão intencionalmente aberta, conforme o caso concreto – para decidir se o fato será jurisdicizado como lícito ou não, bem como quais os efeitos. Ainda assim, Clóvis do Couto e Silva Afirmava antes da positivação ter vigência o princípio no Brasil, uma vez que se trata de “regra de conduta.” Frisa-se que não é novidade o emprego de institutos não positivados no direito, a exemplo da aplicação do princípio de vedação ao locupletamento, que não é positivado no Brasil.

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E, nesse sentido, o princípio da boa-fé vige, também no Brasil, como um mandamento de consideração, colocando credor e devedor em posição cooperativa, visando ao fim último pretendido e objeto da relação jurídica obrigacional: o adimplemento.

Entendida como processo, a relação jurídica obrigacional liga-se com suas fontes e com o desenvolvimento do vínculo. É premissa desta concepção justamente o reconhecimento (dito pós-positivista) de que o direito não se exaure no silogismo, nem deve ignorar fatos antes relegados à sociologia. Daí que o desenvolvimento da relação obrigacional é composto por deveres não previstos na convenção, de ordem ética, à luz dos acontecimentos concretos. Passa a ser reconhecido o princípio jurídico como uma das fontes de obrigações a influenciar uma conceituação contemporânea de obrigação tributária.

Assim, destacam-se os chamados deveres secundários, como as importantes decorrências do princípio da boa-fé. Subjazem à boa-fé objetiva deveres de indicação e esclarecimentos de questões de fato de interesse comum, bem como de cooperação e auxílio – inclusive ao próprio credor, a ponto de ser reconhecido que “Se houver descumprido um desses deveres, não poderá exigir a pretensão para haver a obrigação principal. Dir-se-ia que a sua pretensão precluiu.” Ou seja, contempla-se a possibilidade de o credor perder o direito de haver a obrigação em razão de descumprimento de deveres secundários não previstos expressamente nos regramentos da relação jurídica. A conclusão é paradigmática.

A título de exposição prática do direito privado, mencione-se a súmula nº 308 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o seguinte teor: “A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel.”

A massificação de relações em que, por exemplo, determinada construtora hipoteca as unidades de determinado empreendimento imobiliário a ser construído para conseguir financiamento junto a instituição financeira. Após vender ou realizar promessa de compra e venda das unidades gravadas com o ônus real, a construtora quebra. Então, a instituição financeira executa a hipoteca buscando ter para si o imóvel do adquirente que já o tinha quitado ou estava pagando as prestações. Entendeu o STJ que o agente financeiro tinha o dever decorrente da boa-fé objetiva de se certificar que a construtora tinha saúde financeira, que alertasse os adquirentes dos imóveis sobre o estado da construtora ou que buscasse outros meios de obter o pagamento diretamente dos adquirentes. Segundo o Ministro Ruy Rosado de Aguiar:

O princípio da boa fé objetiva impõe ao financiador de edificação de unidades destinadas à venda aprecatar-se para receber o seu crédito da sua devedora ou sobre os pagamentos a ela efetuados pelos terceiros adquirentes. O que se não lhe permite é assumir a cômoda posição de negligência na defesa dos seus interesses, sabendo que os imóveis estão sendo negociados e pagos por terceiros, sem tomar nenhuma medida capaz de satisfazer os seus interesses, para que tais pagamentos lhe sejam feitos e de impedir que o terceiro sofra a perda das prestações e do imóvel. O fato de constar do registro a hipoteca da unidade edificada em favor do agente financiador da construtora não tem o efeito que se lhe procura atribuir, para atingir também o terceiro adquirente, pois que ninguém que tenha adquirido imóvel neste país, financiado pelo SFH, assumiu a responsabilidade de pagar a sua dívida e mais a dívida da construtora perante o seu financiador. Isso seria contra a natureza da coisa, colocando os milhares de adquirentes de imóveis, cujos projetos foram financiados pelo sistema, em situação absolutamente desfavorável, situação essa que a própria lei tratou claramente de eliminar. Além disso, consagraria abuso de direito em favor do financiador

Nota-se através dessas ponderações que a Teoria Geral do Direito, em relação às obrigações já navega por águas antes inexploradas. Conforme o caso concreto, a argumentação prático-racional é empregada para afastar conclusões antes inevitáveis, decorrentes do exercício silogístico vinculado à lei. Naturalmente, esta concepção de Direito demanda uma maior presença judicial, eis que somente após a judicialização da questão será conhecido o direito efetivamente existente. Igualmente, somente após a pacificação jurisprudencial será possível obter previsibilidade quanto aos efeitos decorrentes dos negócios jurídicos.

Assim, neste momento histórico cabe ao interprete do Direito Tributário verificar de maneira crítica quais as possíveis consequências e qual a conveniência da incorporação de elementos pós-positivistas no Direito Tributário. O novo paradigma traz consigo dois efeitos que merecem especial atenção em relação à obrigação tributária: (i) a desvalorização do princípio da reserva absoluta de lei formal e material e (ii) a utilização de princípios para a verificação do nascimento, desenvolvimento e extinção das obrigações.

No Direito argentino, Spisso chama atenção ao declínio da legalidade em razão da supressão da valorização a princípios liberais.

No Brasil é possível notar a tendência de delegações ao Executivo de questões de ordem tributária. Nessa linha, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Contribuição do Risco Ambiental do Trabalho considerou constitucional o emprego de expressões intencionalmente abertas para que a Administração as complete através de normas infralegais. Segundo a decisão:

O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. IV.

Notam-se novas concepções de Separação de Poderes, de Legalidade, bem como da subjacente vinculação da tributação ao consentimento do contribuinte, a parir do novo paradigma. É um verdadeiro afrouxamento quanto ao rigorismo relativo ao nascimento da obrigação tributária. Ou seja, a concepção de dinâmica de incidência da regra jurídica muda para permitir o nascimento da obrigação tributária, apesar de nem todos os elementos da obrigação tributária constarem na lei, intencionalmente aberta. No ponto, apesar do referido pela Corte Constitucional, há verdadeira flexibilização da legalidade estrita, em que se exigia que todos os elementos da relação obrigacional tributária estivessem previstos em lei.

Também com relação à obrigação principal, já é possível notar na jurisprudência e na doutrina manifestações no sentido de ser flexibilizada reserva de lei formal em determinados casos. Por exemplo, há menções de flexibilização da legalidade em relação às taxas quando há delegação de seu valor, condicionado a um teto. Seria uma forma de melhor atender “aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da capacidade contributiva.”, segundo o Des. Federal Rômulo Pizzolatti.

O segundo efeito do pós-positivismo (além do declínio da reserva absoluta de lei, mencionado) é o emprego de outros elementos que não a interpretação exegética para fins de análise do nascimento, desenvolvimento e extinção da obrigação tributária.

Na doutrina se encontram manifestações no sentido de ser possível a flexibilização da legalidade, em um ajuste axiológico e teleológico, em especial em Ricardo Lobo Torres. Inspirado nessa doutrina, Fernando Zilveti refere que a legalidade tem com o objetivo de conferir segurança jurídica e legitimidade à tributação, mas que:

Sempre que o fato gerador compor um tipo, o aplicador poderá organizar a hipótese de aplicabilidade e compatibilizar o texto normativo com a situação pretendida, num ajuste axiológico e teleológico. Este ajuste pode ser feito tanto pelo Executivo quanto pelo Judiciário.

Ou seja, para esta linha, nota-se uma retomada da atenção à causalidade da obrigação tributária a ponto de legitimar a flexibilização do princípio da legalidade: presente a capacidade contributiva aliada com a necessidade de recursos públicos é legítimo o nascimento da obrigação tributária – sem o mesmo rigor de perfeição lógico-formal quanto aos requisitos da lei tributária. Naturalmente, a segurança jurídica é comprometida.

Ao tentar sistematizar a jurisprudência nota-se que esta é marcada por avanços e retrocessos, ora valorizando uma rígida interpretação do conteúdo semântico das expressões e ora afastando, também a partir de argumentos principiológicos.

Frisa-se que a mudança de paradigma não trata exclusivamente do nascimento da obrigação tributária, mas repercute no seu desenvolvimento e extinção – com especial destaque às operacionalidades da boa-fé objetiva como delineadora de direitos e deveres entre credor e devedor em posição cooperativa com o objetivo comum de extinguir a obrigação pelo adimplemento.

Nesse novo contexto interpretativo é preciso perguntar-se quais os novos direitos e deveres dos contribuintes, eis que os elementos de índole formal estão em declínio – tema para o qual a boa-fé objetiva traz valiosas contribuições. Nesse contexto, a boa-fé objetiva cria uma exceção à regra jurídica, prestigiando a conduta do contribuinte e da Fazenda. Os exemplos são muitos e serão tratados os que mais chamam atenção.

Uma primeira operacionalidade da boa-fé é a desconsideração do não cumprimento de atos procedimentais formalmente irregulares quando a postura do contribuinte aponta que tem o interesse de aderir a parcelamento. É o nascimento do direito do contribuinte de aderir ao parcelamento e a limitação do direito da Fazenda de exigir a obrigação principal (comportamento contraditório à concessão do parcelamento) em face da força argumentativa decorrente da ponderação do princípio da boa-fé objetiva à luz da conduta do contribuinte que tem conduta coerente à adesão ao parcelamento.

Nesse sentido, o STJ impediu a aplicação da pena de perdimento de veículo usado importado irregularmente, quando adquirido por terceiro em estabelecimento importador constituído e com emissão de documento fiscal: “a pena de perdimento - até por ser pena - não pode abstrair o elemento subjetivo nem desprezar a boa-fé”. Há verdadeira criação de um direito em decorrência do entendimento de que o negócio jurídico de aparência lícita conduz à legitima expectativa de direito protegida pelo ordenamento, protegendo o adquirente de comportamento condizente à boa-fé.

Em outro sentido, o erro atribuível exclusivamente à Administração não prejudica o contribuinte, em face de sua boa-fé. Assim, o encaminhamento da guia para pagamento ou o cálculo do débito sob a promessa de desconto no caso de pagamento, quando o erro é do agente público, não impede a obtenção do benefício., Pelo mesmo motivo, a autuação fiscal é considerada irregular quando o contribuinte promove a descrição inexata de componente utilizado em industrialização, sob o regime da Zona Franca de Manaus, quando o equívoco foi ensejado por ser a única forma de denominação constante da Listagem Padrão de Insumos da SUFRAMA.

No processo administrativo fiscal, não pode ser considerada intempestiva a impugnação por posterior verificação de ilegalidade da concessão de dilação de prazo pelo inspetor da alfândega. Por outro lado, no processo judicial, o erro atribuível exclusivamente ao contribuinte já impediu a decretação da prescrição em face da demora na citação pelo motivo de o contribuinte não manter seus cadastros atualizados, não podendo este beneficiar-se da própria torpeza.

Por fim, chama-se atenção à decisão que tem como regular o procedimento adotado por contribuinte fragilizado pela contradição entre lei e norma infra-legal. No caso, a lei determinava procedimento diverso da orientação de instrução normativa. Como forma de preservação da boa-fé, entendeu-se que, quando contraditórios os atos normativos legal e infra-legal, pode o contribuinte optar. O julgamento tratava da postura do contribuinte que seguiu disposição de ato infra-legal contrário à lei, o que foi considerado regular. Aqui é possível identificar um direito antes certamente não reconhecido pelo direito positivista – eis que o contribuinte está, conforme essa filosofia, vinculado à lei, não a atos normativos infra-legais.

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Quanto às chamadas obrigações acessórias há instigantes polêmicas. No direito português, Saldanha Sanches alerta que o sistema depende da participação do contribuinte não só em relação a sua própria atividade, mas também em relação a terceiros com quem o contribuinte mantém relações (especialmente pela sistemática de retenções). Há uma terceirização ampla dos deveres administrativos de fiscalização e informação. Sobre o tema, o autor refere a existência de uma manifestação do princípio da capacidade contributiva em relação a obrigações acessórias. Nesse sentido, não poderia o contribuinte ser excessivamente onerado com deveres administrativos, eis que este custo de conformidade pode se tornar excessivo.

E a título de curiosidade, chama-se atenção ao relatório de 2012 do Banco Mundial que concluiu que o Brasil é o país em que as empresas gastam mais tempo entre 185 países pesquisados para cumprir os deveres impostos pela legislação tributária. Em uma simulação, o contribuinte brasileiro gastaria 2600 horas, enquanto o penúltimo colocado, o contribuinte boliviano, gastaria 1025 horas – menos da metade. Contribuintes de 174 dos 185 países pesquisados gastam menos que um quarto do tempo (500 horas) que o contribuinte brasileiro. Sob o aspecto da boa-fé objetiva questiona-se se não seria possível afastar a presunção de conhecimento da lei de tão complexa e extensa legislação tributária.

Um possível efeito secundário do cumprimento do dever administrativo de cooperação do contribuinte é o nascimento de presunção de boa-fé quanto ao conteúdo da declaração apresentada. Isso é, cumprido o dever declaratório, não poderia a Administração desmerecer a declaração presumindo a falsidade ou a fraude. Pertence à Fazenda neste caso o ônus argumentativo e probatório que afaste a presunção de boa-fé – o que é positivado no art. 149 do CTN.

Então, neste paradigma seria possível concluir pela existência de deveres secundários destinados à Fazenda e ao contribuinte presentes na obrigação tributária e não decorrentes da lei. Esses deveres decorrem de princípios com eficácia reconhecidamente normativa como o princípio da moralidade administrativa, devido processo legal, propriedade, legalidade, liberdade e, como visto, da boa-fé objetiva.

Feitas essas ponderações acerca da rica aplicabilidade do princípio da boa-fé no Direito Tributário, é preciso fazer referência à grave insegurança jurídica que a concepção pós-positivista provoca em relação à obrigação tributária – o que não permite delinear com precisão seus elementos constitutivos ou extintivos.

Por outro lado, a oposição do pós-positivismo à concepção de direito enquanto sistema fechado não implica necessariamente na extinção do respeito à Legalidade, apenas exige a adoção outras técnicas para o exercício da jurisdição. Sendo reconhecido que o exercício de subsunção não exaure a aplicação do direito é preciso que os interpretes do Direito Tributário estudem e sistematizem métodos de alguma uniformidade intersubjetiva para garantir alguma segurança jurídica e alguma previsibilidade às decisões judiciais.

Misabel Derzi reconhece a existência das fronteiras aqui tratadas, que denomina de conflito entre pensamentos predominantemente formados por tipos ou por conceitos fechados. O sistema conceitual (que identifica com raízes no racionalismo positivista) se caracterizaria pelo emprego de uma regra de identidade irrenunciável, fixa e rígida, marcada pelo emprego do silogismo. “cada X é A ou não A.” O pensamento tipológico, por outro lado, segundo a autora, admite uma abertura, sendo caracterizado por seus contornos fluidos, a indefinibilidade e o emprego do método da comparação, tornando possível ao sistema jurídico acompanhar as alterações sociais e permitindo ao interprete subsumir à norma fatos que não preenchem o conceito.

O tipo propriamente dito, por suas características, serve mais de perto a princípios jurídicos como o da igualdade-justiça individual, o da funcionalidade e permeabilidade das mutações sociais. Em compensação, com o seu uso, enfraquece-se a segurança jurídica, a legalidade como fonte exclusiva de criação jurídica e uniformidade.

É possível identificar na obra de Misabel Derzi o fundamento comum que inspira a adoção de cláusulas gerais para abrir o sistema às peculiaridades nem sempre previstas na lei: permitir que o sistema acompanhe as modificações sociais. Contudo, a autora ressalva que no Direito Tributário o legislador enrijece a legalidade, optando por intensificar a segurança jurídica, apesar do fenômeno do pensamento tipológico. “Ora, o que prevalece no Direito Tributário não é a tipologia, mas a classificação; não é o tipo, mas o conceito.” Dessa forma a autora busca manter o Direito Tributário em uma sistemática artificialmente fechado, de costas ao Direito enquanto ciência argumentativa.

Infelizmente ou felizmente é impossível impedir que juízes empreguem princípios ou optem por enxergar as normas como tipos abertos na argumentação jurídica. Tem-se, por outro lado, que o problema não está exatamente no afastamento da subsunção como única forma de aplicar o Direito Tributário, mas na dificuldade de uniformidade intersubjetiva e falta de legitimidade democrática das decisões quando não fundamentadas, que se traduzem em autoritarismo.

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Sob esse aspecto, a incorporação do princípio da proporcionalidade enquanto método que pode garantir alguma uniformidade intersubjetiva a garantir certa previsibilidade dos exames quanto às ações do Estado.

Segundo Klaus Tipke, todo ato estatal é passível de teste através do princípio da proporcionalidade, devendo ser idôneo, necessário e exigível (proporcional em sentido estrito). É idôneo o ato quando o fim é atingido através do meio empregado; é necessário quando o meio empregado é aquele que, dentre os meios idôneos, é o menos oneroso em relação a direitos fundamentais; por fim, é exigível quando o fardo relativo ao obrigado não é exagerado a ponto de não justificar a ação estatal. Tendo em vista que a finalidade da tributação é a arrecadação tributária, o meio disponibilizado aos contribuintes deve ser idôneo a tal finalidade, bem como não pode a Fazenda ser desidiosa em relação aos seus deveres de informação, cooperação e boa-fé.

Ratifica-se, contudo, que o reconhecimento da superação do paradigma subsuntivo pelo discursivo não implica em arbítrio ao juiz. Isso porque o discurso jurídico é limitado por regras de índole interna e externa. Quanto às regras de índole externa, ao intérprete cabe fundamentar a decisão judicial vencendo o ônus argumentativo que lhe cabe por disposição constitucional (CF, art. 93, IX). A norma decorrente da proposição textual de lei, enquanto limitadora do discurso jurídico, será sempre aplicada através da subsunção quando tiver o caráter de regra, seja a favor do contribuinte ou a favor da Fazenda. Aquele a quem interessa evitar as consequências da regra cabe levantar o princípio que subjaz à regra para realizar o exercício de ponderação com outros princípios (para o que a boa-fé objetiva pode ter força argumentativa consistente, como visto) ou incluir novos argumentos que justifiquem alguma espécie de exceção à norma.

Ao contrário do referido pela brilhante Mizabel Derzi, não é possível retirar do intérprete nenhum argumento possivelmente empregado no raciocínio jurídico. Por outro lado, acerta a autora ao referir que o Direito Tributário tem peculiaridades que impõem diferenciações. Dentre as limitações encontram-se a vinculação à reserva absoluta de lei formal e material prevista na constituição que a dogmátiva atribuiu um elevado nível de força argumentativa.

Ou seja, conforme a concepção discursiva (pós-positivista), é imprescindível que a decisão judicial justifique do ponto de vista prático-racional eventual flexibilização da legalidade. Somente em casos muito excepcionais será possível criar exceção que impeça a aplicação da regra jurídica constitucional relativa à legalidade ou que inove quanto à interpretação do instituto para fazer nascer a obrigação tributária quando incompleta a lei (também por delegações) ou não preenchida a sua hipótese, apesar de haver eventual capacidade contributiva. O que não se admite é a decisão que não enfrenta argumentos relativos à Separação de Poderes, Segurança jurídica, Consentimento à Tributação e ao próprio Estado Democrático de Direito quando flexibiliza a lei tributária. Isto é, na ponderação tendente a impedir a incidência da regra jurídica, deverão compor o exercício os princípios que subjazem a todas as regras jurídicas tributárias (Separação de Poderes, Segurança jurídica, Consentimento à Tributação).

Questão interessante a ser respondida é se o processo de ponderação pode igualmente resultar em não incidência de regra jurídica a favor ou contra ao contribuinte. Para a resposta, faz-se o seguinte raciocínio: a flexibilização da regra jurídica incidente sobre o suporte fático atribui o ônus argumentativo àquele a quem interessa a flexibilização. Na tributação, a intenção de impedir o nascimento da obrigação tributária quando realizado o fato gerador demanda grande ônus argumentativo – ocorrerá excepcionalmente, eis que subjazem à regra jurídica tributária princípios de capacidade contributiva, rule of Law, solidariedade e interesse público, conforme o caso.

Por outro lado, o nascimento da obrigação tributária quando ausente o fato gerador (não ocorrência no mundo dos fatos do previsto expressamente na lei em sentido formal e material), isto é, em favor da Fazenda, a pretexto de existente capacidade contributiva, exige um ônus argumentativo ainda maior, eis que deverão ser veiculados na ponderação os princípios de Separação de Poderes, direito de Propriedade e o Consentimento do Contribuinte à Tributação (subjacentes à regra jurídica), enquanto direitos fundamentais (que protegem exclusivamente o cidadão). Note-se que, embora as proposições constitucionais de direitos fundamentais sejam tradicionalmente abertas e abstratas, é possível retirar do texto conteúdos semânticos que atraem força argumentativa privilegiada. Isto é, em se tratando de direitos fundamentais, o intérprete é vinculado ao texto relativo às disposições de direitos fundamentais. Naturalmente, nem sempre a disposição de direito fundamental prevalecerá (será flexibilizada). Contudo, para o jurista superar a vinculação à proposição constitucional de direito fundamental (propriedade, devido processo legal) não é suficiente o argumento de que solução contrária ao texto é mais adequada que a com ele compatível. Isso porque “as razões para a solução contrária devem ser extremamente fortes para que, do ponto de vista da Constituição, o afastamento do teor literal fique justificado.” O conteúdo semântico do dispositivo de direitos fundamentais cria um bônus argumentativo em favor de sua preservação.

Por essa interpretação, os princípios que velam pelo crédito tributário cedem com menos dificuldade que princípios que preservam os direitos fundamentais do contribuinte. Ou seja, em face do desenho constitucional de índole preservadora de direitos fundamentais (que militam exclusivamente em favor do cidadão), tem-se que o ônus argumentativo que justifique o nascimento da obrigação tributária de lei incompleta (delegações, inclusive) ou por analogia é muito maior que a justificativa de não nascimento ou extinção da obrigação tributária em face de peculiaridade do caso concreto (supressio ou tu quoque, por exemplo). Esses são novos elementos que temperam a construção de um conceito contemporâneo de obrigação tributária em concepção pós-positivista.

Assim, não é possível identificar com precisão quais os elementos que constituem a obrigação tributária, em especial quanto ao seu nascimento, desenvolvimento e extinção. A abertura do sistema a argumentos antes relegados à sociologia e a liberdade argumentativa hoje reconhecida ao intérprete impedem o aprisionamento da decisão judicial à subsunção. Em qualquer caso, é possível dizer que as regras de limitação do discurso jurídico distribuem o ônus argumentativo àquele que tem o interessa em flexibilizar a regra jurídica tributária, com o alerta que a boa-fé objetiva implica em deveres conexos que eventualmente vão resultar na alteração do conteúdo da relação obrigacional tributária (tu quoque, surrectio, supressio, venire contra factum proprium e adimplemento substancial, dentre outras manifestações).

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Por exemplo, o não cumprimento de deveres decorrentes da boa-fé objetiva pode justificar, conforme o caso, a flexibilização da legalidade – ocasionalmente em favor do contribuinte e excepcionalmente em favor da Fazenda, eis que o Estado de Direito e os direitos fundamentais do contribuinte tem força argumentativa mais consistente que o interesse público em relação ao crédito tributário.

Nesse sentido, retomando Aliomar Baleeiro, pode-se dizer que aos seis elementos na relação jurídica obrigacional tributária já mencionados, o pós-positivismo soma os deveres conexos de cooperação, informação e proteção com vistas ao adimplemento da obrigação, ainda que não previstos expressamente na lei, bem como soma possibilidades interpretativas, em especial de ponderação, capazes de criar exceções à incidência da regra jurídica – conforme regras do discurso jurídico.

4 CONCLUSÃO

A concepção de Direito com aplicação exclusivamente através de subsunção já não correspondente à prática judicial no direito privado e no direito público. Elementos antes relegados à sociologia compõem a argumentação jurídica e tem eficácia quanto ao nascimento, desenvolvimento e extinção das relações obrigacionais.

Nesse contexto, nota-se um declínio do rigorismo formal preservador da reserva absoluta de lei formal e material para a instituição de tributo, bem como são perceptíveis as eficácias argumentativas de hermenêutica, de criação de direitos e de limitação de direitos decorrentes de princípios jurídicos – como a boa-fé objetiva.

Assim, não é possível apreender um único conceito de obrigação tributária quanto aos seus elementos. À luz dos elementos coletados, apresenta-se a proposta de um conceito de obrigação tributária em concepção pós-positivista como instituto composto por seus seis elementos tradicionais (a lei como fonte da obrigação, o sujeito ativo, o sujeito passivo, o fato tributável (gerador da obrigação), base de cálculo e objeto (prestação em dinheiro)), mas a estes é somada a repercussão de princípios, como a boa-fé objetiva, que pode influenciar seu nascimento, desenvolvimento e extinção, criando exceções à regra jurídica, conforme as regras do discurso jurídico – especialmente em face de deveres de cooperação, informação e segurança que contribuintes e Fazenda têm reciprocamente.

Por outro lado, a insegurança jurídica neste momento histórico é latente. Resta ao intérprete do Direito Tributário submeter-se a um método que permita alguma legitimação da decisão judicial através da fundamentação, bem como questionar-se sobre quais os novos direitos fundamentais do contribuinte, como os decorrentes da boa-fé objetiva, nesse novo paradigma da obrigação tributária, instituto sobre o qual orbita Direito Tributário.

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