No Brasil, são inúmeros os reconhecimentos equívocados que decorrem de declarações das vítimas que, de certa forma, acreditam de modo veemente estar reconhecendo o verdadeiro autor do crime, incorrendo em falsas memórias.
A situação ocorre no processo de evocação da memória que corresponde a lembrança dos fatos, a recordação. Ainda que diversas pessoas tenham participado de um acontecimento, cada uma vai relembrar e reproduzir da sua maneira, estando longe de ser uma reprodução fiel das informações arquivadas.
Apesar do estudo referente à memória aplicado ao Processo Penal ser recente no Brasil, inúmeras são as evidencias de que o testemunho da vítima – que nunca teve contato com o agente antes da prática – não é confiável quando não aliado a outros elementos probatórios, uma vez que as distorções que a nossa memória pode causar são manifestas.
Nesse sentido e, considerando que diversos fatores podem influenciar e protencializar as falsas memórias de uma pessoa, o STJ passou a reconhecer a impossibilidade de reconhecimento fotográfico, ainda que ratificado em juízo, como elemento de prova para condenação.
O entendimento referente à ocorrência de falsas memórias aliado ao princípio da presunção de inocência levou a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça a proferir novo entendimento, por unânimidade, assinalando que o reconhecimento fotográfico, ainda que siga o procedimento regular do artigo 226 do CPP, deve servir apenas como etapa antecedente para posterior reconhecimento pessoal, não servido para embasar condenação.
DIRETRIZES DO STJ NO JULGAMENTO DO HC 598.886 REFERENTE AO RECONHECIMENTO POR FOTOGRAFIA
1. O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime
2. À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo
3. Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento
4. O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo
Os Ministros mencionaram ainda que a prova seria indireta, uma vez que colhida inquisitorialmente, sem presença de advogado, juiz ou MP, sendo impossível a fiscalização do ato. E ressaltaram que o descumprimento das formalidades legais não pode mais ser endossado sob o argumento de que o Judiciário e a Polícia não têm estrutura apropriada.
O novo entendimento traz um panorama, uma vez que reafirma a preponderância do princípio da presunção de inocência, trazendo à voga o estudo das falsas memórias e ainda leva em consideração as inúmeras condenações injustas que vêm ocorrendo em razão das comprovadas falhas decorrentes da coleta de provas irregular e ineficiente, que sequer possui previsão legal.
A decisão é um grande avanço para o sistema de produção de provas e deve ter seus efeitos reproduzidos de modo eficáz nos próximos anos, quando os Tribunais de Justiça dos Estados abandonarem o equívoco na interpretação do artigo 226 do CPP.
É inegável que o impacto advindo da decisão dará ensejo à inúmeras ações de revisão criminal para reverter condenações injustas baseadas no reconhecimento por fotografia e servirá como referência para impedir que novas arbitrariedades sejam cometidas em processos criminais ainda em curso.
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