Em 2017, tornou-se possível o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva diretamente nos Cartórios de Registro Civil, sem a necessidade de propositura de ação judicial para tanto, com a publicação do Provimento nº 63 do CNJ.
Em agosto de 2019, o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 83, que trouxe alterações ao então disposto no Provimento nº 63/2017, também do CNJ, no que se refere ao reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva.
A primeira modificação significativa diz respeito ao critério etário, já que anteriormente não havia limitação nesse sentido e, agora, o reconhecimento perante os oficiais de registro civil de pessoais naturais ocorre somente em relação a filhos maiores de 12 anos, alteração incluída no caput do artigo 10.
Tal mudança se deu em virtude de questionamentos sobre a necessidade de chancela do Poder Judiciário para alterar a filiação de crianças em tenra idade, já que em alguns casos o reconhecimento extrajudicial poderia estar mascarado de uma “adoção à brasileira” ou até mesmo servindo como mecanismo para burlar a “fila de adoção”.
Além disso, conforme a alínea “a” do mesmo artigo, acrescida por meio do Provimento 83, alguns critérios foram estabelecidos para a configuração da parentalidade socioafetiva, já que ela deverá ser estável e exteriorizada socialmente.
O §1º do artigo 10 estabelece que o registrador deverá atestar a existência do vínculo socioafetivo mediante apuração objetiva por intermédio da verificação dos elementos concretos, a fim de demonstrar os critérios para caracterização da posse de estado de filho, quais sejam: o tratamento (tractatio), a reputação (reputatio) e o nome (nominatio).
O tratamento evidencia-se na forma como os envolvidos se comportam, como se pai e filho ou mãe e filho fossem, bem como na convivência familiar estabelecida, por meio do afeto e da estabilidade. Já a reputação ou fama é a exteriorização dessa relação perante terceiros; o nome é o único requisito facultativo, já que a pessoa pode ou não adotar o sobrenome da família.
Assim, quem pretende ver reconhecida a paternidade ou maternidade socioafetiva fará uso de todos os meios de prova em direito admitidos para demonstrar o vínculo narrado, seja por declarações firmadas por testemunhas, documentos ou fotografias.
Nesse sentido, o §2º do artigo 10 traz um rol exemplificativo das provas aptas a atestar o liame socioafetivo, tais como apontamento escolar como representante do aluno, inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou órgão da previdência, comprovante de endereço e registro de vínculo conjugal com a mãe ou pai biológico.
No entanto, cumpre frisar que a ausência de prova documental não afasta o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, devendo o registrador responsável atestar como apurou o vínculo quando verificar a presença da relação por outros meios.
Outra modificação que pretende assegurar a validade e segurança do ato é a determinação de que os documentos apresentados fiquem arquivados junto ao cartório após a formalização do reconhecimento, em conjunto com o requerimento.
Além disso, com o intuito de trazer maior fiscalização e resguardar os interesses do menor envolvido, o Provimento 83 prevê expressamente a participação prévia do Ministério Público, de forma extrajudicial, sendo que somente será possível autorizar o registro socioafetivo nos casos em que houver parecer favorável do MP.
Sendo assim, caso o parecer seja contrário, o reconhecimento da parentalidade socioafetiva não pode se operar pela via extrajudicial, devendo as partes recorrerem ao Poder Judiciário para tanto.
Por fim, outra alteração implementada com o Provimento 83 foi no sentido de limitar a inclusão de apenas um ascendente socioafetivo no registro civil, prescindindo o reconhecimento de mais de um pai ou mãe por meio de ação judicial.
Quanto às demais disposições do Provimento nº 63 sobre o reconhecimento da paternidade socioafetiva, estas restam intactas e previstas na Seção II, permanecendo, por exemplo, a necessidade de consentimento expresso dos pais biológicos e do pretenso filho, quando este tiver entre 12 e 18 anos.
Ainda, conforme dispõe o §6º do artigo 10, na falta de um dos pais biológicos do menor ou na impossibilidade de manifestação favorável destes ou do filho, o caso será posto à apreciação judicial.
Por certo, a experiência após quase dois anos de registros extrajudiciais de parentalidade trouxe a necessidade de, além da manutenção e reforço de tal possibilidade, a implementação de alguns ajustes, com o escopo de garantir maior segurança e seriedade ao ato, bem como salvaguardar os interesses do menor envolvido, para que o vínculo socioafetivo não acabe sendo banalizado.
Amanda Silveira de Almeida
Advogada da Divisão de Família e Sucessões da Garrastazu Advogados
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