Durante muitos anos, passou despercebido pelo Poder Judiciário os efeitos nocivos do tempo perdido pelo consumidor visando resolver problemas gerados pelos fornecedores de produtos e serviços.
Um dos exemplos citados é a situação corriqueira de levar seu veículo, recém comprado, repetidas vezes à oficina, por conta de um defeito que os mecânicos não conseguem resolver, obrigando o consumidor a perder seu precioso tempo. Para tanto, existem inclusive projetos de lei, que visam punir tais condutas.
Assim, o estudo da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor passou a se tornar alvo de maiores discussões judiciais, a partir do livro do Professor da PUC Marcos Dessaune, cujo título é: “Desvio Produtivo do Consumidor – O Prejuízo do Tempo Desperdiçado”
O autor da obra efetivamente analisou os impactos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) – nas relações entre os consumidores e fornecedores de produtos e serviços, sob a ótica do tempo perdido pelo consumidor para resolver os problemas gerados pelos fornecedores de produtos e serviços.
Uma das principais conclusões de seu estudo demonstrar que as práticas abusivas (que devem ser combatidas) também podem ser entendidas como todas àquelas, infelizmente, cotidianas situações que o consumidor “perde” seu tempo útil na tentativa de solucionar problemas (decorrentes de produtos ou serviços) causados pelos próprios fornecedores.
Ou seja, a conclusão do autor é que todo o tempo jogado fora pelo consumidor para a solução de problemas gerados pelos fornecedores estabelece uma prática abusiva que enseja indenização.
A matéria já objeto de artigo publicado no blog da Garrastazu Advogados, porém, no período a teoria ainda não havia ganhado tanta repercussão. Em seu livro, o autor, cita alguns exemplos corriqueiros, vejamos:
- Enfrentar uma fila demorada na agência bancária em que, dos 10 guichês existentes, só há dois ou três abertos para atendimento ao público;
- Ter que retornar à loja (quando ao se é direcionado à assistência técnica autorizada ou ao fabricante) para reclamar de um produto eletroeletrônico que já apresenta problema alguns dias ou semanas depois de comprado;
- Telefonar insistentemente para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) de uma empresa, contando a mesma história várias vezes, para tentar cancelar um serviço indesejado ou uma cobrança indevida, ou mesmo para pedir novas providências acerca de um produto ou serviço defeituoso renitente, mas repetidamente negligenciado;
- Levar repetidas vezes à oficina, por causa de um vício reincidente, um veículo que frequentemente sai de lá não só com o problema original intacto, mas também com outro problema que não existia antes;
- Ter a obrigação de chegar com a devida antecedência ao aeroporto e depois descobrir que precisará ficar uma, duas, três, quatro horas aguardando desconfortavelmente pelo voo que está atrasado, algumas vezes até dentro do avião – cansado, com calor e com fome – sem obter da empresa responsável informações precisas sobre o problema, tampouco a assistência material que a ela compete.
Em maio de 2018 o STJ reconhece a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor. O mais recente julgado do Superior Tribunal de Justiça, foi proferido pelo Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do AREsp 1.260.458/SP na 3ª Turma. O julgador reconheceu a aplicação da Teoria do Desvio Produtivo do Consumidor em um caso envolvendo uma instituição financeira.
O Ministro adotou a mesma conclusão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu como injustificável a conduta da instituição financeira em insistir na cobrança de encargos contestados pela consumidora, mantendo a decisão que havia condenado a instituição ao pagamento por danos morais. Veja um trecho determinante da decisão do ministro:
“Notório, portanto, o dano moral por ela suportado, cuja demonstração evidencia-se pelo fato de ter sido submetida, por longo período [por mais de três anos, desde o início da cobrança e até a prolação da sentença], a verdadeiro calvário [...]”
A decisão deu-se após uma série de outras três decisões que também aplicaram a teoria. Ou seja, o STJ reconheceu o dever de os maus fornecedores indenizarem os consumidores que desperdiçarem seu “valioso tempo”, perdendo suas “atividades como o trabalho, o estudo, o descanso, o lazer.
Os reflexos do reconhecimento da aplicação da Teoria.
Após os julgamentos acima mencionados, houve uma drástica mudança nos entendimentos dos Tribunais que passaram a reconhecer a Teoria do Desvio Produtivo e a condenar os maus fornecedores ao pagamento de indenizações.
A aplicação da teoria tende a tornar as relações de consumo menos prejudiciais aos consumidores, eis que, após o seu reconhecimento, o judiciário tende a observar com maior cautela as situações que prejudiquem o tempo útil desperdiçado pelos consumidores, determinando o dever de indenizar.
Nestes casos, o dano moral indenizável e aplicável à espécie é o compensatório (que visa compensar os danos) e o punitivo/pedagógico (visa evitar que o fornecedor continue praticando condutas que prejudiquem o tempo útil do consumidor).
A teoria também pode ser aplicada nos casos que envolvam atraso em voo e planos de saúde, matérias também já abordadas em nosso blog. O judiciário entende que a teoria pode ser utilizada para buscar uma indenização ou para fortalecer a aplicação de indenização por dano moral. Abaixo seguem algumas decisões que reconhecem a aplicação da teoria e o consequente dever de indenizar, a última no âmbito da justiça gaúcha: Mensalidade, Banco, Cobrança, Eletrodomésticos, TV por Assinatura.
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Garrastazu Advogados
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